ADULTÉRIO
Amélia da Cunha aceita Erinaldo Cornélio como seu legítimo esposo, na alegria e na tristeza, na doença e na saúde?
Aceito!
Erinaldo Cornélio, aceita Amélia da Cunha como sua legítima esposa, na alegria e na tristeza, na doença e na saúde?
Aceito! Disse Cornélio.
Amélia era tida por todos, no Bairro de Fátima, onde nascera e ainda residia, como “a santa do bairro”. Casara-se cedo, grande estrondo fora o casório: festança com direito a fogos de artifícios e limusine à porta da Igreja. Seu pai, o comerciante Luiz da Cunha, não fizera contas para os gastos. Em casa, após a cerimônia, sobre a mesa, vinhos da melhor safra. O bolo de noiva se contava os andares. Contados, somavam o número 12 ao todo, onde no último andar dois noivinhos dançavam a valsa do amor eterno. Os convivas, todos em impecável elegância, vestidos à rigor tomavam a mão de seus pares. Ninguém faltou ao casório. O cessar do festeiro fora de grande galhardia. Toda aquela gente do mais rico ao mais pobre, do mais comportado ao mais moleque, do mais sóbrio ao mais bêbado gritava em um coro desordenado: Viva os noivos.
Os noivos partiram em direção a serra de Maranguape deixando para trás um rastro de som de lata no asfalto da Av. Lauro Maia. No caminho brindaram com champanhe o porvir de uma família feliz e repleta de filhos que seriam os netos tão almejados do comerciante Luiz da Cunha.
Residiram no andar de cima do comércio do pai de Amélia. Passados seus aproximados nove meses de casamento vieram as primeiras queixas, as primeiras desconfianças, as primeiras cobranças. Cornélio, dado a lida, só pensava em dinheiro a custa de muito suor no ramo das representações de tecidos que fornecia ao interior da cidade. Amélia, dada aos sonhos, ansiava por um amor ardente, tal como via nas telas de novela. Amor esse que não lhe era correspondido e somado as constantes ausências de Cornélio, resultaram, para ambos, em constantes perrengues e aporrinhações de uma crise conjugal.
Cornélio chegava sempre tarde da noite, punha a valise na mesa de centro da pequena sala, descalçava os sapatos que lhe apertavam até a alma, bebia seu copo de leite gelado e, após o banho, recolhia-se ao quarto onde Amélia já se encontrava. Ela o provocava de todas as maneiras, vestia-se com a mais insinuante das camisolas, tocava-lhe todo o corpo com os lábios. Ele virava-se de costas, fadigado do trabalho, se dizia estar moído e que parecia estar doente, em seguida dormia. Já em Amélia (varada de volúpias não saciadas, de olhos em claros) surgiam no espírito lembranças das brincadeiras lascivas de quando adolescente (“endiabrada”) se divertindo com os dedos por entre as pernas. E porque não redescobrir meu corpo assim como uma adolescente? Pensou dizendo a si.
Ao amanhecer, Cornélio acordou Amélia pedindo que apresasse o café. Ela, ainda vestindo a camisola, correu para passá-lo, aprontou a mesa e sentou-se a espera do marido a observar a inércia melancólica dos objetos denunciadores de uma época feliz e de sonhos.
Sonhos, tudo não passou de um sonho! Balbuciou baixinho.
Da pequena cozinha ouvia-se os gritos dos flanelinhas misturados ao som irritante do cotidiano. Ao cabo de alguns minutos, Cornélio sentou-se à mesa. Tomou seu café e, após tomá-lo, deu-lhe um rápido beijo no rosto. Levantou-se, caminhou até a mesa de centro, pegou a valise e bateu a porta. Da escada, gritou uma frase “carinhosa” que para Amélia, fora só o que restara do seu casamento:
Tenha um bom dia, Amélia.
Em seguida, correu para o quarto, tirou a camisola e repetiu uma, duas, três, quatro, cinco vezes seguidas esmurrando o colchão da cama: Transo com o primeiro que me aparecer! Transo com o primeiro que me aparecer, corno! Corno!
Ainda de camisola, estirada sobre o colchão da cama, tornou a brincar com os dedos com um certo descontrole emocional. Ora rindo, ora chorando... Adormeceu por alguns minutos.
A campainha soara. Era um jovem carteiro, de olhos tácitos, dos seus aproximados 20 anos. Amélia, sempre o atendia abrindo a porta presa a corrente do “pega ladrão”, mas, desta vez... O carteiro, todo acanhado, deixou cair os olhos ao vê-la seminua. Ela o puxou pela alça da bolsa, beijou-o, e ao tempo que com a mão direita batia a porta, com a outra segurava com firmeza as do carteiro levando-as aos seios. Ofegantes, os dois, deixaram-se amar ali mesmo sobre o sofá da sala junto a mesa de centro.
Ainda excitado e atônito pela ousadia daquela Sra. (pois Amélia não o revelara o nome e as correspondências sempre que vinham, vinham no nome do Sr. Erinaldo Cornélio) indagou-lhe o óbvio: você é casada? Ela o respondeu repetidamente que sim que era comprometida e que ele não ousasse retornar e não comentasse nada a ninguém. O carteiro, insistente, respondia que não, dizia-lhe que poderiam se encontrar e que não precisaria, necessariamente, que fosse em seu apartamento. Amélia, com um ato súbito de loucura, armou-se do abajur posto a cabeceira da cama e o arremessou em direção ao jovem carteiro, o abajur espatifou-se de encontro à porta. Fora daqui! Fora daqui, já disse, ou eu chamo a polícia... fora!
O pequeno relógio marcava meio-dia. Amélia, deitada sobre a cama na confusão dos lençóis revoltos, chorava. E cada gota de lágrima parecia inundar aquele pequeno apartamento, aquele pequeno quarto onde aquela pequena cama flutuava. O pequeno relógio com seus tic-tacs fluídos, as pequenas roupas, o pequeno sofá, a pequena mesa de centro, os grandes pequenos sonhos, os grandes pequenos cacos de amor, tudo flutuava em prantos, tudo confluía com um rio que desaguava no nada. Agora, ao contrário, surgiam-lhe grandes imagens felizes de quando criança, as grandes bonecas, a grande casa na Av. Lauro Maia, seu grande e velho pai, a grande professora, o grande caderno, o primeiro namorado. E lá no fundo, na transparência das lágrimas, outras imagens. Era o triste fim de sua mãe no derradeiro leito de sua vida num dia de chuva, aconselhando-a a amar a Deus sobre todas as coisas. Suas últimas palavras eram de fidelidade:
Mulher infiel, minha filha, Deus castiga e a sociedade crucifica. Vira tabu, puta, adultera... Dizia D. Glória apontando o dedo para Amélia com seu gesto de velha do século passado.
Veio o anoitecer, Cornélio entrou e repetiram-se as mesmas cenas: pôs a valise na mesa de centro, tomou seu copo de leite... Amélia, desta vez, não o procurou, virou-se e adormeceu. Ao amanhecer, limpou os cacos do abajur espalhados pelo chão, aprontou o café, arrumou a mesa... Cornélio (após tomar o café) pegou a valise sobre a mesa de centro, bateu a porta e, antes que ele desse o seu frio bom dia, Amélia antecipou-se respondendo: Tenha um bom dia, Cornélio, tenha um bom dia. Ele ouviu da escada e no rebate...Tenha um bom dia você também, Amélia.
Amélia caminhou até a pequena varanda, vestindo-se, agora, de uma camisola preta. Acenou para um guardador de carros pedindo-o que penetrasse em seu apartamento, em seu quarto, em sua cama...
Amélia da Cunha aceita Erinaldo Cornélio como seu legítimo esposo, na alegria e na tristeza, na doença e na saúde?
Aceito!
Erinaldo Cornélio, aceita Amélia da Cunha como sua legítima esposa, na alegria e na tristeza, na doença e na saúde?
Aceito! Disse Cornélio.
Amélia era tida por todos, no Bairro de Fátima, onde nascera e ainda residia, como “a santa do bairro”. Casara-se cedo, grande estrondo fora o casório: festança com direito a fogos de artifícios e limusine à porta da Igreja. Seu pai, o comerciante Luiz da Cunha, não fizera contas para os gastos. Em casa, após a cerimônia, sobre a mesa, vinhos da melhor safra. O bolo de noiva se contava os andares. Contados, somavam o número 12 ao todo, onde no último andar dois noivinhos dançavam a valsa do amor eterno. Os convivas, todos em impecável elegância, vestidos à rigor tomavam a mão de seus pares. Ninguém faltou ao casório. O cessar do festeiro fora de grande galhardia. Toda aquela gente do mais rico ao mais pobre, do mais comportado ao mais moleque, do mais sóbrio ao mais bêbado gritava em um coro desordenado: Viva os noivos.
Os noivos partiram em direção a serra de Maranguape deixando para trás um rastro de som de lata no asfalto da Av. Lauro Maia. No caminho brindaram com champanhe o porvir de uma família feliz e repleta de filhos que seriam os netos tão almejados do comerciante Luiz da Cunha.
Residiram no andar de cima do comércio do pai de Amélia. Passados seus aproximados nove meses de casamento vieram as primeiras queixas, as primeiras desconfianças, as primeiras cobranças. Cornélio, dado a lida, só pensava em dinheiro a custa de muito suor no ramo das representações de tecidos que fornecia ao interior da cidade. Amélia, dada aos sonhos, ansiava por um amor ardente, tal como via nas telas de novela. Amor esse que não lhe era correspondido e somado as constantes ausências de Cornélio, resultaram, para ambos, em constantes perrengues e aporrinhações de uma crise conjugal.
Cornélio chegava sempre tarde da noite, punha a valise na mesa de centro da pequena sala, descalçava os sapatos que lhe apertavam até a alma, bebia seu copo de leite gelado e, após o banho, recolhia-se ao quarto onde Amélia já se encontrava. Ela o provocava de todas as maneiras, vestia-se com a mais insinuante das camisolas, tocava-lhe todo o corpo com os lábios. Ele virava-se de costas, fadigado do trabalho, se dizia estar moído e que parecia estar doente, em seguida dormia. Já em Amélia (varada de volúpias não saciadas, de olhos em claros) surgiam no espírito lembranças das brincadeiras lascivas de quando adolescente (“endiabrada”) se divertindo com os dedos por entre as pernas. E porque não redescobrir meu corpo assim como uma adolescente? Pensou dizendo a si.
Ao amanhecer, Cornélio acordou Amélia pedindo que apresasse o café. Ela, ainda vestindo a camisola, correu para passá-lo, aprontou a mesa e sentou-se a espera do marido a observar a inércia melancólica dos objetos denunciadores de uma época feliz e de sonhos.
Sonhos, tudo não passou de um sonho! Balbuciou baixinho.
Da pequena cozinha ouvia-se os gritos dos flanelinhas misturados ao som irritante do cotidiano. Ao cabo de alguns minutos, Cornélio sentou-se à mesa. Tomou seu café e, após tomá-lo, deu-lhe um rápido beijo no rosto. Levantou-se, caminhou até a mesa de centro, pegou a valise e bateu a porta. Da escada, gritou uma frase “carinhosa” que para Amélia, fora só o que restara do seu casamento:
Tenha um bom dia, Amélia.
Em seguida, correu para o quarto, tirou a camisola e repetiu uma, duas, três, quatro, cinco vezes seguidas esmurrando o colchão da cama: Transo com o primeiro que me aparecer! Transo com o primeiro que me aparecer, corno! Corno!
Ainda de camisola, estirada sobre o colchão da cama, tornou a brincar com os dedos com um certo descontrole emocional. Ora rindo, ora chorando... Adormeceu por alguns minutos.
A campainha soara. Era um jovem carteiro, de olhos tácitos, dos seus aproximados 20 anos. Amélia, sempre o atendia abrindo a porta presa a corrente do “pega ladrão”, mas, desta vez... O carteiro, todo acanhado, deixou cair os olhos ao vê-la seminua. Ela o puxou pela alça da bolsa, beijou-o, e ao tempo que com a mão direita batia a porta, com a outra segurava com firmeza as do carteiro levando-as aos seios. Ofegantes, os dois, deixaram-se amar ali mesmo sobre o sofá da sala junto a mesa de centro.
Ainda excitado e atônito pela ousadia daquela Sra. (pois Amélia não o revelara o nome e as correspondências sempre que vinham, vinham no nome do Sr. Erinaldo Cornélio) indagou-lhe o óbvio: você é casada? Ela o respondeu repetidamente que sim que era comprometida e que ele não ousasse retornar e não comentasse nada a ninguém. O carteiro, insistente, respondia que não, dizia-lhe que poderiam se encontrar e que não precisaria, necessariamente, que fosse em seu apartamento. Amélia, com um ato súbito de loucura, armou-se do abajur posto a cabeceira da cama e o arremessou em direção ao jovem carteiro, o abajur espatifou-se de encontro à porta. Fora daqui! Fora daqui, já disse, ou eu chamo a polícia... fora!
O pequeno relógio marcava meio-dia. Amélia, deitada sobre a cama na confusão dos lençóis revoltos, chorava. E cada gota de lágrima parecia inundar aquele pequeno apartamento, aquele pequeno quarto onde aquela pequena cama flutuava. O pequeno relógio com seus tic-tacs fluídos, as pequenas roupas, o pequeno sofá, a pequena mesa de centro, os grandes pequenos sonhos, os grandes pequenos cacos de amor, tudo flutuava em prantos, tudo confluía com um rio que desaguava no nada. Agora, ao contrário, surgiam-lhe grandes imagens felizes de quando criança, as grandes bonecas, a grande casa na Av. Lauro Maia, seu grande e velho pai, a grande professora, o grande caderno, o primeiro namorado. E lá no fundo, na transparência das lágrimas, outras imagens. Era o triste fim de sua mãe no derradeiro leito de sua vida num dia de chuva, aconselhando-a a amar a Deus sobre todas as coisas. Suas últimas palavras eram de fidelidade:
Mulher infiel, minha filha, Deus castiga e a sociedade crucifica. Vira tabu, puta, adultera... Dizia D. Glória apontando o dedo para Amélia com seu gesto de velha do século passado.
Veio o anoitecer, Cornélio entrou e repetiram-se as mesmas cenas: pôs a valise na mesa de centro, tomou seu copo de leite... Amélia, desta vez, não o procurou, virou-se e adormeceu. Ao amanhecer, limpou os cacos do abajur espalhados pelo chão, aprontou o café, arrumou a mesa... Cornélio (após tomar o café) pegou a valise sobre a mesa de centro, bateu a porta e, antes que ele desse o seu frio bom dia, Amélia antecipou-se respondendo: Tenha um bom dia, Cornélio, tenha um bom dia. Ele ouviu da escada e no rebate...Tenha um bom dia você também, Amélia.
Amélia caminhou até a pequena varanda, vestindo-se, agora, de uma camisola preta. Acenou para um guardador de carros pedindo-o que penetrasse em seu apartamento, em seu quarto, em sua cama...
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